Biotecnologia, você sabe o que é?
Jéssica Carrijo de Souza*
https://doi.org/10.63753/osaber.a15n15.65
RESUMO
A Biotecnologia é uma ciência interdisciplinar presente no nosso cotidiano que, ao longo dos anos, com o desenvolvimento de diversas ferramentas biotecnológicas, foi responsável por uma parte dos avanços obtidos na sociedade. Ainda com pouco destaque da sua real importância, talvez seja missão dos atuais estudantes tornar essas informações mais acessíveis à comunidade. No entanto, para se transmitir o conhecimento de forma correta, é necessário compreender a relevância e consolidar os conceitos biotecnológicos. Essa base pode ser construída durante o período do Ensino Médio, que é quando se estuda a sequência didática Biotecnologia. Com a discussão adequada dos temas, além de um completo esclarecimento, o aluno desenvolverá pensamento crítico. Este estudo objetivou diagnosticar a percepção que os alunos têm a respeito da Biotecnologia, de modo a destacar a importância de construir um alicerce forte, durante o Ensino Médio, para o surgimento de futuros cidadãos com pensamento crítico.
Palavras-chave: Ferramentas biotecnológicas. Desenvolvimento acadêmico. Sequência didática.
ABSTRACT
Biotechnology is an interdisciplinary science present in our daily lives that, over the years, with the development of different biotechnological tools, has been responsible for some of the advances in society. Even though its real importance is still underestimated, perhaps it is the mission of current students to make this information more accessible to the community. However, to transmit knowledge correctly, it is necessary to understand its relevance and consolidate biotechnological concepts. This concept can be built during high school, when the didactic sequence biotechnology is studied. With proper discussion of the issues and complete clarification, the student will develop critical thinking. The aim of this study was to diagnose students' perceptions of biotechnology in order to highlight the importance of building a strong foundation during high school for the emergence of future citizens with critical thinking.
Keywords: Biotechnological tools. Academic development. Didactic sequence.
INTRODUÇÃO
Você já pensou como seria o mundo em que vivemos sem as facilidades e os avanços que a Biotecnologia nos proporcionam há milhares de anos? Na maioria das vezes, vivemos sem perceber o quão relevante é essa área do conhecimento para nossa vida cotidiana e para o desenvolvimento das sociedades. A Biotecnologia é a ciência que utiliza sistemas biológicos, organismos vivos ou seus derivados para criar ou modificar artigos ou processos para um uso específico, resultando no desenvolvimento de produtos que possam melhorar o modo de vida da sociedade (por meio de conhecimentos acadêmicos, experimentação e constante inovação) (ONU, 1992).
Conhecer e compreender a importância das ferramentas biotecnológicas no desenvolvimento social e econômico pode favorecer positivamente a vida das futuras sociedades. O momento considerado conveniente para a consolidação desse conhecimento seria durante o período escolar, especificamente no Ensino Médio, quando os alunos podem ser instruídos sobre a relevância desses processos e quais melhorias do dia a dia foram influenciadas, a partir dos avanços dessa área. Podendo o aluno ser incentivado a desenvolver ideias e projetos, na chamada Iniciação Científica no âmbito da Educação Básica e, em consequência, ser impulsionado a seguir as diversas carreiras científicas.
Mesmo sem um conhecimento formal, a Biotecnologia vem sendo desenvolvida desde 6.000 a.C., no entanto, sua definição foi estabelecida apenas em 1919, pelo engenheiro-agrônomo húngaro Karl Ereky (Bentahar et al., 2023). A partir de então, os avanços nessa área refletiram diretamente no desenvolvimento e na qualidade de vida da espécie humana. Um exemplo disso é quando observamos os números da população mundial. Na última estimativa da Organização das Nações Unidas, alcançou-se a marca de 7,8 bilhões de habitantes (ONU, 2022). Sem as inovações científicas, entre elas o avanço em Biotecnologia, não haveria como alimentar uma população desse porte. O advento dos organismos geneticamente modificados (OGMs), ou simplesmente transgênicos, destacando o milho, o trigo e a soja, possibilitou a produção necessária para suprir as demandas alimentares mundiais, além de poupar áreas de florestas nativas (Avery, 2004).
Mesmo que existam opiniões divergentes quanto à presença de transgênicos na alimentação humana, o que deve ser reconhecido é o fato de que, sem essa “bio+tecnologia” haveria a necessidade do avanço contínuo das fronteiras agropecuárias visando ao abastecimento da população mundial. O acesso a alguns conceitos e informações sobre produtos biotecnológicos ainda são restritos, de modo que uma maior divulgação mediante o engajamento dos estudantes, desde o Ensino Médio, pode possibilitar melhor esclarecimento e/ou surgimento de novas aplicações científicas.
No Plano de Execução Didática (PED) do Colégio Militar de Brasília, instrumento utilizado pelos coordenadores de disciplina para direcionar o conteúdo ministrado durante o ano escolar, o tema Biotecnologia é tratado como uma sequência didática, abordada no último ano do Ensino Médio (Formação Geral Básica - FGB) (DEPA, 2022). No PED estão programadas dez aulas, dentro do segundo trimestre, para abordar e integrar os assuntos no cotidiano dos alunos (DEPA, 2022). Tendo como objeto do conhecimento os seguintes assuntos: DNA recombinante (Engenharia Genética), transgênicos, células-tronco, teste de DNA e clonagem reprodutiva e terapêutica. Esses assuntos podem ser considerados primordiais para a iniciação dos alunos no tema da Biotecnologia. Os descritores apresentam uma abordagem bem específica para que os alunos possam se conscientizar sobre cada assunto estudado. Dentre os descritores, são propostas discussões de textos jornalísticos e/ou científicos acerca de determinado assunto, comparações dos aspectos positivos e negativos de algum método científico (como o uso da transgenia e a discussão ética sobre clonagem terapêutica, etc).
O objetivo deste artigo é corroborar a importância do estudo da sequência didática Biotecnologia, durante o Ensino Médio, de modo que o aluno possa ser capaz de desenvolver o pensamento/olhar crítico e o interesse em projetos de Iniciação Científica, ainda na Educação Básica, além de concorrer para o despertar de futuros pesquisadores que sejam comprometidos, dedicados e interessados no tema.
MATERIAL E MÉTODOS
Com a finalidade de levantar como os alunos do Ensino Médio entendem o tema Biotecnologia, foi aplicado um questionário utilizando a plataforma google forms, encaminhado aos alunos dos 1°, 2° e 3° anos do Ensino Médio, do Colégio Militar de Brasília. A resposta ao questionário foi de forma voluntária.
Foram elaboradas 10 questões, sendo que, em determinada questão, se o aluno respondesse SIM ao questionamento, ele seria direcionado para um questionário (1), e se respondesse NÃO, era redirecionado para outro questionário (2) (Figura1). As questões formuladas foram objetivas, em sua maioria com as alternativas para respostas sendo, Sim, Não ou Talvez. Foi elaborada, também, uma questão aberta discursiva onde se pedia para exemplificar um produto biotecnológico ou um avanço resultante dos processos biotecnológicos. Aos alunos que responderam que já haviam estudado sobre o tema, havia uma questão extra solicitando que definissem, de forma sucinta, a Biotecnologia. Duas outras questões tinham a intenção de observar se os alunos: (1) sabiam citar um exemplo de produto biotecnológico de forma livre/aberta; e (2) identificavam alguns itens em alternativas. A Figura 1 expõe o organograma do questionário aplicado, apresentando as questões. Os detalhes sobre as alternativas serão apresentados posteriormente.
Figura 1. Organograma do questionário aplicado aos alunos, apresentando os questionários 1 e 2. As questões com contorno verde foram questões abertas discursivas, as demais apresentavam alternativas.
Após a aplicação do questionário e as respostas dos alunos, os dados foram tabulados e usados como forma de diagnóstico para melhor compreensão/discussão.
RESULTADOS
Os questionários foram respondidos virtualmente por meio da leitura de um QR code (Quick Response code - código de resposta rápida). Nessa amostragem, obtivemos respostas de 102 alunos dos três anos escolares pesquisados. Os dados possibilitaram a compreensão parcial do nível de conhecimento a respeito do tema. A Tabela 1 apresenta em números as respostas obtidas em algumas das questões. Não foram apresentados os dados de todas as questões, apenas daqueles considerados mais relevantes. Foi possível observar padrões semelhantes para alunos do mesmo ano escolar.
Tabela I. Apresentação dos dados tabulados para algumas questões do questionário.
No questionário, após perguntar o ano escolar do aluno, e se esse fazia parte de algum clube de estudos, a questão seguinte abordava se o aluno já havia estudado o tema Biotecnologia? Caso fosse marcada a alternativa NÃO, ele era direcionado ao questionário tipo dois, onde as questões eram mais “suposições” (o que o aluno entendia intuitivamente). Isso poderia resultar em respostas tipo “chute”. Enquanto os que respondiam SIM eram direcionados ao questionário tipo um (onde as questões eram mais diretas).
Os alunos do 1° e 2° ano ficaram divididos quando questionados se já haviam estudado essa sequência didática, visto que o tema Biotecnologia só é abordado no 3° ano. Aos que responderam SIM, mesmo não tendo estudado oficialmente esse tema, justificaram a aquisição do conhecimento principalmente nos meios de comunicação e alguns poucos justificaram ter aprendido no colégio, cursinho ou estudos independentes. Contudo, em uma visão geral, os alunos dos dois anos iniciais responderam de forma positiva aos questionamentos fundamentais quanto à importância dos avanços biotecnológicos, do crescimento populacional relacionado a esses avanços e da importância das plantas transgênicas. De forma controversa, alguns alunos do 3° ano responderam não ter estudado o tema (5), apesar do questionário ter sido aplicado ao final do ano letivo. Porém, todos os alunos foram unânimes nas questões-chave já elencadas acima.
A respeito do conhecimento sobre a Iniciação Científica dos alunos do 1° ano, apenas um participa de um projeto; dos demais, 11 disseram que não participam, mas gostariam de participar, 15 gostariam de conhecer mais, 19 dizem não saber o que é, e escolheram a alternativa “não sei”, em vez de “gostaria de saber”. No 2° ano, dos 32 alunos que responderam, nove admitiram não saber o que é Iniciação Científica, mas que gostariam de conhecer; outros nove alunos alegaram não participar, mas gostariam, e 10 marcaram a opção “não sei”. Três marcaram a opção que participam de um projeto de Iniciação Científica. Apesar da baixa adesão dos alunos do terceiro ano, 13 dos 24 alunos dizem não saber o que é Iniciação Científica, nove dizem não participar, mas gostariam, e somente um gostaria de saber mais sobre a Iniciação Científica.
Para a questão aberta que pedia a exemplificação de um produto ou avanço biotecnológico, os alunos apresentaram diversos exemplos, tendo como maior destaque: transgênicos, vacinas, remédios/antibióticos, insulina, agrotóxicos e queijo. No infográfico apresentado na Figura 2, estão os exemplos que foram citados no questionário durante a pesquisa.
Figura 2. Infográfico contendo nuvem de palavras, referente aos exemplos apresentados pelos alunos na questão: “Você poderia dar um exemplo de um produto biotecnológico ou algum avanço resultante da Biotecnologia?” O tamanho da palavra está relacionado à frequência com que a mesma apareceu na pesquisa.
Quando perguntado de forma direcional, por meio de alternativas, quais dos itens eram produtos de Biotecnologia, houve palpites assertivos para a maioria dos itens, como pode ser observado na Figura 3. Porém, houve algumas exceções com citações de carro, telefone, computadores e outros eletrônicos como sendo um produto biotecnológico.
Figura 3. Gráfico com as respostas dadas à questão “Dos itens a seguir, qual seria um exemplo de produto(s) biotecnológico(s)?”, em número de alunos e porcentagem. Em (A): respostas dos alunos que marcaram NÃO, para a questão se já haviam estudado o tema Biotecnologia. Em (B): respostas dos alunos que marcaram SIM, se já haviam estudado o tema Biotecnologia. A alternativa com reticências representa telefone, computadores e outros eletrônicos.
DISCUSSÃO
Imaginar o mundo sem os avanços da Biotecnologia seria considerar um mundo sem vacinas, medicamentos, como a insulina recombinante, biofármacos, OGMs, fertilizantes e pesticidas, ou itens mais simples, do nosso dia a dia, como queijo, cerveja, vinho, pão, ou combustível etanol. Todos esses exemplos fazem parte da gama de possibilidades que foram geradas pela aplicação da Biotecnologia, ao longo dos anos.
Após analisar os dados obtidos da aplicação do questionário, o que se pode supor, visto que foi amostrada apenas por uma parcela dos alunos do Ensino Médio, é que, em regras gerais, os conceitos que os alunos possuem são suficientes para formar uma visão positiva sobre quão importante é a Biotecnologia, independente do ano escolar. Mesmo que alguns tenham usado uma resposta tipo “chute”, eles optaram pela melhor alternativa. Esses indícios fortalecem a possibilidade de jovens mais preparados, porém ainda é necessário consolidar as bases, onde uma dedicação e incentivo serão o alicerce.
Quanto ao interesse pela Iniciação Científica, os dados mostram pouca participação em projetos e um nível moderado de interessados (54) em saber o que é ou em participar. Esse mesmo nível moderado (39) abarcou alunos que disseram não ter nenhum interesse sobre Iniciação Científica. O que mais surpreendeu foi o baixo interesse dos alunos do 3° ano do Ensino Médio. Como possíveis justificativas pode estar a baixa adesão dos alunos em responder ao questionário, o baixo esclarecimento sobre o tema ou, ainda, o interesse em carreiras militares específicas.
Poucos alunos do total geral fazem parte de algum clube de estudo, inclusive do Clube de Estudos Ambientais, atividade extraclasse relacionada às Ciências Naturais (Silva & Fraga, 2018). Estudos ressaltam que a participação do aluno em atividades extraclasses e em projetos de Iniciação Científica, durante o período escolar, resulta em maior comprometimento com a escola e com a comunidade, além desse período introdutório apresentar-se muito importante no despertar para futuras carreiras científicas (Carra & Teston, 2014; Lorenzoni & Salgado, 2019).
O enfoque proposto pelos descritores no PED visa trazer o aluno para a realidade na qual ele está inserido. Quando as discussões são conduzidas da forma correta, estimulam o aluno a desenvolver o pensamento crítico, prepará-los para os vestibulares, sobretudo esse conteúdo que é recorrente nos exames para ingresso no Ensino Superior. Ainda, se o colégio possuir suporte para fomentar projetos de Iniciação Científica, dessas vivências podem surgir projetos científicos, os primeiros passos para uma carreira científica.
Além de um potencial direcionamento para o mundo da pesquisa científica, esses estudos promovem a formação de cidadãos mais críticos, capazes de compreender e interpretar as situações à sua volta. Especialmente se houver uma complementação dos estudos, correlacionando com a situação social, ambiental, econômica e interpessoal, para o melhor desenvolvimento de projetos que estejam ligados às necessidades atuais da sociedade. Desse modo caberá aos atuais alunos, quem sabe futuros cientistas, identificar essas questões e desenvolver soluções adequadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível observar que os assuntos abordados são o passo inicial para criar uma boa percepção da importância da Biotecnologia no desenvolvimento da nossa sociedade, nos dias atuais e futuros. Os objetos de conhecimentos podem ser considerados o alicerce se apresentados da forma correta, contribuindo, também, para que os alunos/cidadãos sejam capazes de argumentar com fundamentação sobre uma determinada ideia, podendo, ainda, divulgar esses conhecimentos no meio em que vivem.
A sequência didática Biotecnologia está incluída na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), de modo que, em regras gerais, esse conteúdo é ministrado em todos os colégios, sejam eles públicos ou particulares. Assim, o que fará o aluno ampliar o pensamento crítico e despertar para as carreiras científicas será como esse conteúdo vai ser trabalhado em sala de aula. Os avanços biotecnológicos foram decisivos para o sucesso da sociedade, do passado até os dias atuais. A Biotecnologia constitui uma ferramenta essencial para uma sociedade bem desenvolvida, capaz de conciliar o equilíbrio entre o progresso e a sustentabilidade.
REFERÊNCIAS
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LORENZONI, B. B.; SALGADO, T. D. M. (2019) A iniciação científica: escuta, diálogo e contexto. Retratos Da Escola, v. 13, n. 26, p. 513-521. Disponível em: <https://doi.org/10.22420/rde.v13i26.904> Acesso em: 29 nov. 2023.
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*Professora de Biologia (CMB), Doutora em Biologia Molecular (UnB). Email: